domingo, 29 de maio de 2011

Para Resolver a Crise Europeia

Por Mark Weisbrot | The Nation

A crise da zona euro é, de certa forma, menos complicada na sua origem do que muitas pessoas têm dito. O problema fundamental é o facto de a Grécia, a Espanha, a Irlanda e Portugal estarem presos numa recessão (ou próximos dela) e não terem sido autorizados a adoptar as políticas necessárias para sair. Em 2009 a maioria dos países seguiram políticas expansionistas para sair da recessão: por exemplo, um estímulo fiscal ou uma política monetária expansionista (visível nos mais de 2 biliões de dólares emitidos pela Reserva Federal dos EUA desde o início da nossa recessão). Nalguns casos os países também foram ajudados pela desvalorização da moeda, o que fez aumentar as suas exportações e diminuiu as suas importações.
Os países europeus periféricos estão presos numa união monetária cuja política é ditada pelo Banco Central Europeu (BCE), que é de tendência muito mais à direita que a Reserva Federal dos EUA e está muito pouco interessado em ajudá-los. Por terem aderido ao Euro, estes países também deixaram de controlar a sua taxa de câmbio; e a política fiscal está a seguir uma direcção errada, com a imposição de cortes orçamentais, sob pressão da Comissão Europeia, o BCE e o FMI.
Assim, não é de espantar que a Espanha tenha uma taxa de desemprego superior a 20%, que na Grécia esta seja de quase 15% enquanto o país se afoga ainda mais em dívidas e que na Irlanda o rendimento per capita tenha baixado cerca de 17% desde o início da crise. Portugal acaba de assinar um acordo com o FMI que ameaça prolongar a recessão por mais dois anos.
Economicamente nada disto faz sentido, excepto do ponto de vista dos credores que querem assegurar que estes países são castigados pelos seus “excessos” — embora, na maioria dos casos, a situação não tenha sido provocada pelo excesso de créditos, mas sim pelo colapso da bolha e pela crise financeira mundial. Infelizmente o que prevalece no seio das autoridades europeias é o ponto de vista dos credores.
O director do FMI, Dominique Strauss-Kahn, que está hoje detido e acusado de crimes sexuais, compreendia a futilidade de algumas destas políticas, mas não tinha poder para as mudar consideravelmente, uma vez que a direcção do FMI está subordinada às autoridades europeias (e ao Tesouro dos EUA). A sua partida iminente é pouco provável que tenha algum impacto, embora possa acelerar o inevitável processo de reestruturação da dívida grega.
A Argentina recusou-se a pagar a sua dívida pública externa em 2001, depois de anos a obedecer ao caminho do FMI para a recuperação, afundando-se cada vez mais na recessão. A moeda foi desvinculada do dólar e, apesar da queda livre acelerada da economia durante três meses, recuperou e cresceu 63% durante os seis anos seguintes. Em três anos a Argentina tinha alcançado o nível de produção anterior à crise; pelo contrário, a Grécia não deverá atingir o seu PIB pré-recessão durante pelo menos oito anos.
Quando é que isto acaba? Enquanto estes governos estiverem empenhados em seguir políticas que encolhem as suas economias, a sua única esperança é que a economia global acelere e os recupere através do aumento da procura de exportações. Isto não é expectável no futuro próximo — o resto da Europa não está a crescer assim tão rapidamente e a economia dos EUA ainda está frágil.
Os governos da Grécia, Portugal e Irlanda têm que dizer às autoridades europeias que não aceitam quaisquer acordos de “resgate” que não permitam o crescimento das suas economias. Este tem que ser o princípio: ajuda, não punição. A Espanha não entrou ainda num acordo de empréstimo, mas está em situação semelhante. Estes governos têm um grande poder de negociação que não utilizam, já que as autoridades europeias têm muito medo de uma expulsão e/ou saída do Euro de qualquer um deles. E as autoridades europeias têm os meios para ajudar cada uma destas economias a recuperar através de políticas macro-económicas expansionistas. Só precisam que lhes digam que “não há alternativa”.

(Tradução: Helena Romão)

sábado, 28 de maio de 2011

A Amarga Ironia de Usar a Crise Financeira para Dar Cabo do SNS

por Adam Ramsay | Uk Uncut

Cerca de 50% das falências americanas têm origem em contas médicas. Quando falamos de «hipotecas sub-prime», falamos de pessoas reais a enfrentar a ruína financeira. A principal razão desses americanos serem expulsos das suas casas é ficarem doentes.
Quando todo um sistema económico está podre, não se pode culpar apenas um dos seus aspectos pelo colapso. Mas pode dizer-se que essa peça da engrenagem também falhou. E assim é com a saúde nos EUA. Uma das principais razões pelo desmoronamento da economia global é o facto de no país mais rico do mundo milhares de pessoas terem sido forçadas a deixar as suas causas quando ficaram doentes. Tiveram de escolher entre a casa e a saúde. E não honraram as hipotecas.
Os banqueiros construíram umas torres enormes de riqueza imaginária, ao jogarem com o valor dessas casas. À medida que as despesas médicas foram subindo, à medida que mais e mais famílias enfrentaram a insolvência, essas torres foram derrubadas. E esmagaram uma economia que tinha começado a venerar a sua altura demente e majestosa.
Ou seja, as corporações que dirigem a saúde nos Estados Unidos têm uma responsabilidade enorme na queda do crédito. Foram elas que causaram as falências. Foram elas que forçaram as pessoas a deixar as suas casas. Foram elas que deram um chuto na base da nossa economia desequilibrada.
E são elas que estão agora a tentar assumir o controlo da saúde na Grã-Bretanha. Quando Andrew Lansley fala da reforma do Sistema Nacional de Saúde (SNS), é preciso que fique claro do que é que está a falar. Porque «reforma» não é o que lhe chama o de The Lancet, que usa a expressão «o fim do nosso Serviço Nacional de Saúde.» O que o governo está a tentar fazer não é uma reestruturação — é um leilão.
E, como em todos os leilões, o vencedor será quem fizer a maior oferta. É por isso que as corporações médicas norte-americanas estão tão empenhadas em que a lei da Saúde e Assistência Social seja aprovada; é por isso que empresas como a United Health estão tão satisfeitas por integrar os think tanks favoritos do Governo. Porque sabem que este secretário de Estado está a fazer tudo para deixar o SNS na situação ideal para que elas possam devorar o seu recheio. Sejamos também claros quanto à dimensão deste apetite: em 2010, Stephen J. Hemsley, presidente United Health, recebeu 10 810 131 dólares. Ao contrário do nosso relativamente magro SNS, a empresa está inchada e é ineficiente: carrega a gordura das suas vacas gordas.
Quando nos dizem que essas empresas irão melhorar a eficiência dos nossos cuidados médicos, estão simplesmente a mentir. Todos os factos, todas as comparações internacionais, todas as estatísticas, todos os factos mostram que os sistemas de saúde privados com os seus executivos bem pagos e accionistas exigentes têm custos muito mais elevados. Do que estas empresas percebem é da eficiência do comboio sobrelotado, da eficiência dos call centers com falta de operadores, da eficiência do enriquecimento rápido dos seus executivos: da eficiência dos desbaratinadores de activos e dos especuladores. Isto não é exactamente o mesmo que a eficiência de um sistema de saúde bem gerido.
Estas empresas construíram o sistema de saúde mais caro e explorador do planeta — o sistema de saúde que Obama tanto se empenhou em reformar. Os seus executivos empurraram milhões de pessoas doentes para a bancarrota para poderem continuar a viver uma vida luxuosa. São ineficazes e inadequadas, gananciosas e destrutivas. Não há lugar para elas na nossa ilha. Na Grã-Bretanha, as decisões médicas baseiam-se nas necessidades, não na ganância empresarias; e tomam-se em nome dos utentes, e não dos lucros. Temos de nos manter unidos e nunca esquecer isto. Várias gerações neste país lutaram por um Sistema Nacional de Saúde; quando os nossos avós regressaram da Segunda Guerra Mundial, ele foi finalmente implementado. E há 60 anos que defendemos o que eles montaram e nos deixaram: um sistema de saúde que nos pertence a todos e que é dirigido em nome de nós todos. Hoje, o legado dos nossos avós enfrenta o maior ataque de sempre; por isso, temos de montar a maior defesa de sempre.
Mas temos de fazer mais do que proteger o SNS. Não foram apenas as empresas de saúde americanas que causaram a catástrofe económica. Ao olhar para trás, é inacreditável que praticamente nada tenha sido feito para re-estruturar os nossos bancos.
É uma ironia amarga que o governo de Cameron esteja a usar o caos de uma crise financeira para dar cabo do SNS e o substituir pelas sementes do sistema americano, que tanto contribuiu para a crise. É revoltante que nada se tenha feito para reformar os bancos que causaram o crash. No sábado [27 de Maio], vamos exigir o fim desta inversão ridícula das coisas. Vamos agir directamente sobre delegações de vários bancos, por todo o país. Vamos exigir que o governo tire o garrote do Sistema Nacional de Saúde e o aplique antes aos bancos inchados. Junta-te a nós!

Debtocracy (Legendado em Português)

Debtocracy (ou Dividocracia) é um documentário sobre a crise grega. Vale a pena ver, para perceber a nossa situação, e que medidas podemos tomar para a resolver.


Debtocracy International Version por BitsnBytes

sexta-feira, 27 de maio de 2011

A Europa que temos

Homens armados e com viseiras a bater em manifestantes pacíficos e desarmados.

#acampadaporto 7º dia

A tarde de ontem foi marcada pela ânsia de saber novidades sobre o que se estaria a passar na acampada de Coimbra. Os nossos companheiros de Coimbra receberam ordem da força policial para se retirarem do local. Felizmente a resistência venceu!

Ao final do dia o grupo GATA orientou um workshop sobre assédio sexual, bastante participativo.

A assembleia do dia de ontem, das mais participativas também, começou com a decisão de fazermos resistencia pacifica em caso de ordem de retirada por parte das forcas policiais. Foi nos dado um mini workshop sobre o tema.

A assembleia discutiu e aprovou um novo manifesto. Este está em aberto e será novamente
discutido na assembleia de hoje.

Continuamos a precisar de comida, tendas, e de pessoas. Todas e todos à Praça!

Auditoria Cidadã à Dívida Pública - O Que É?


Nas últimas semanas, o termo auditoria tem sido utilizado com muita frequência, e nem sempre da forma mais apropriada ou justificada. Neste momento, a sociedade civil portuguesa deve exigir uma auditoria cidadã à dívida pública. Através dessa exigência, nós, cidadãs e cidadãos da República, impediremos a continuação do sequestro do nosso destino por agentes cujos padrões de transparência não são suficientemente elevados e que não elegemos, pelo que se consideram imunes à prestação de contas que sustenta qualquer democracia.

A constituição de uma comissão de auditoria resultará numa avaliação rigorosa dos compromissos assumidos pelo sector público português e modificará os termos da discussão política. Porque, com uma auditoria cidadã, a reestruturação da dívida, que já é um dado adquirido, será feita em nome da justiça social e a favor de pessoas e famílias; com as auditorias e auditores do costume, a reestruturação será efectuada com uma atenção desproporcionada e injustificada aos credores. A sociedade civil portuguesa deve assumir as suas responsabilidades e exercer os seus direitos, nos termos da Constituição da República (Art. 48º: 1, 2).

1. O que é uma auditoria?
Uma auditoria é uma avaliação a um sistema ou conjunto de dados, de modo a verificar a sua consistência, validade e fiabilidade. Em paralelo, uma auditoria também pode avaliar a capacidade de auto-regulação de um sistema e a fiabilidade da entidade que produz um conjunto de dados. Pode ser complementada com uma avaliação dos mecanismos de verificação interna do sistema ou da entidade que produz os dados.
Uma auditoria financeira, por exemplo, é uma verificação da consistência, validade e fiabilidade da demonstração financeira produzida por uma entidade, como uma empresa.

2. Qual é a diferença entre uma auditoria às contas públicas e à dívida (externa, pública ou privada)?
Uma auditoria às contas públicas é diferente de uma auditoria à dívida.

a) Numa auditoria à dívida, verificam-se os compromissos assumidos por um devedor, tendo em conta a sua origem, legitimidade, legalidade e sustentabilidade.
b) Uma auditoria às contas públicas compreende, pelo menos, duas dimensões do sector público: uma avaliação da estrutura de despesas e uma avaliação da estrutura de receitas. Normalmente, uma auditoria às contas públicas é entendida como verificação das despesas públicas. A amplitude de uma auditoria deste género, sem monitorização adequada, pode torná-la um instrumento político, utilizado por grupos de interesses com objectivos aparentemente indeterminados e que podem atentar contra o interesse público (como a redução das transferências sociais).

A dívida externa é a soma da dívida pública (todos os compromissos assumidos pelo sector público perante credores não-residentes em Portugal) e dívida privada (todos os compromissos assumidos por residentes em Portugal perante não-residentes em Portugal). Portanto:

a) uma auditoria à dívida pública refere-se aos compromissos assumidos pelo sector público (incluindo dívida privada garantida pelo Estado) perante credores residentes e não-residentes;

b) uma auditoria à dívida privada refere-se aos compromissos assumidos pelos bancos, empresas e famílias e indivíduos residentes perante credores residentes e não-residentes;

c) uma auditoria à dívida externa refere-se aos compromissos assumidos pelo sector público, pelos bancos, pelas empresas e pelas famílias e pelos indivíduos residentes em Portugal perante credores não-residentes.

3. No que diz respeito à dívida pública, qual é a diferença entre auditoria externa e auditoria cidadã?
Auditorias externas e auditorias cidadãs dizem respeito a dimensões diferentes. Vejamos porquê:

a) Uma auditoria externa ou independente é uma avaliação da dívida feita por elementos exteriores ao Estado português. Embora as auditorias externas sejam, teoricamente, independentes, isso não se verifica em todos os casos.

b). Uma auditoria cidadã é uma verificação coordenada pela sociedade civil.

Podemos tirar algumas conclusões desta classificação:

a) Uma auditoria externa pode ser efectuada por qualquer entidade auditora, desde que a mesma não pertença à estrutura orgânica do sector público;

b) Uma auditoria externa pode não ser independente. As quatro grandes auditoras (Ernst&Young, PricewaterhouseCoopers, KPMG e Deloitte) mantêm, desde há vários anos, relações contratuais com diversas instituições públicas, regimes de responsabilidade limitada e um oligopólio que previne e diminui os seus incentivos à prestação de contas perante os cidadãos. Não garantem um grau adequado de transparência numa auditoria à dívida pública. Nesse sentido, são auditoras externas, mas não independentes ou credíveis para o efeito;

c) Uma auditoria cidadã é uma avaliação efectuada por uma comissão constituída por membros da sociedade civil. Ou seja, é uma auditoria externa, porque a comissão não é estatal, embora possa incluir titulares de cargos públicos, e é uma auditoria independente, porque garante, desde logo, um grau adequado de transparência e prestação de contas aos cidadãos. Contudo, a independência de uma comissão cidadã deve exigir a colaboração da mesma com instituições públicas específicas, como o Tribunal de Contas, o Instituto de Gestão da Tesouraria e do Crédito Público e o Banco de Portugal.

4. Porque devemos exigir uma auditoria cidadã?
Existem duas razões principais:

a) Uma auditoria cidadã é a única modalidade que oferece garantias em termos de transparência e prestação de contas à sociedade civil. Além disso, é a única que garante rigor e precisão na detecção de dívida legítima, ilegítima, insustentável ou odiosa.

b) A auditoria cidadã tem o objectivo de clarificar o processo de reestruturação da dívida e torná-lo político. Com uma auditoria cidadã, a reestruturação passará obrigatoriamente por considerações de justiça social e não apenas por obrigações contratuais ou pela satisfação das prioridades de credores (especialmente de credores que são co-responsáveis pela contracção de dívida ilegítima/ilegal/insustentável).

5. Qual é o papel da sociedade civil neste processo?
A sociedade civil desempenha três papéis principais:

a) Elege os representantes que formarão uma comissão de auditoria;
b) Define os termos da fiscalização à comissão de auditoria;
c) Utiliza os resultados.

6. Que tipos de dívida podem ser detectados numa auditoria cidadã da dívida pública?
A dívida pública pode ser dividida em cinco categorias:

a) Dívida legítima: Compromissos assumidos pelo sector público nos termos da lei, em igualdade de circunstâncias entre devedor e credor, e em benefício (subjectivo/objectivo) do interesse geral;

b) Dívida ilegítima: Compromissos assumidos pelo sector público nos termos da lei, mas sem que se verifique a situação de igualdade de circunstâncias entre devedore e credor, e/ou em prejuízo (subjectivo/objectivo) do interesse geral;

c) Dívida ilegal: Compromissos contraídos pelo sector público em violação do ordenamento jurídico aplicável;

d) Dívida odiosa: Compromissos contraídos por regimes autoritários em prejuízo claro dos interesses dos seus cidadãos;

e) Dívida insustentável: Compromissos assumidos pelo sector público cujo pagamento é incompatível com o crescimento e criação de emprego (o volume de encargos com dívida e juros respectivos asfixia as finanças públicas).

Podemos tirar algumas conclusões:

a) O empréstimo acordado com a comissão conjunta BCE-CE-FMI comporta juros insustentáveis, pelo que uma parte da dívida é, previsivelmente, insustentável. O caso da aquisição dos submarinos, em que existem suspeitas fundadas de práticas corruptas e, em cujo âmbito, já foi aberto um inquérito, exemplifica um compromisso insustentável e potencialmente ilegal.
a.1) As parcerias público-privadas (PPP), casos de complexidade acrescida, devem ser incluídas no âmbito analítico de uma auditoria cidadã à dívida. A maioria dos estudos de impacto financeiro apontam para a sua insustentabilidade; as PPP são, por definição, opacas e, em vários casos documentados, obrigam o Estado a suportar perdas significativas, enquanto os parceiros privados derivam lucros cuja tributação continua a ser insuficiente para compensar esta discrepância. Portanto, também devem ser escrutinadas.

b) Os resultados de uma auditoria cidadã à dívida pública podem ser estimados, mas não determinados antes do processo;

c) Uma parcela da dívida pode ser ilegítima e sustentável, legítima e insustentável ou ilegítima e insustentável; em qualquer destes casos, deve ser exigida a reestruturação;

d) A dívida odiosa é um conceito cuja aplicabilidade em países democráticos é mais complicada.

7. Quais as consequências?
Se os resultados de uma auditoria cidadã à dívida pública determinarem a existência de uma das três combinações que leste no ponto anterior, a consequência deve ser a reestruturação da dívida, imediata ou faseada. É importante enfatizar isto: a dívida contraída de forma legítima será identificada como tal - por exemplo, certificados de aforro ou certificados do Tesouro. O objectivo de uma auditoria cidadã é descritivo e analítico: a comissão de auditores deve proceder a uma análise rigorosa e exaustiva de todos os compromissos assumidos pelo sector público, para poder classificá-los da forma apropriada e comunicar os resultados de forma clara, simples e compreensível à sociedade civil, de modo a que a mesma possa usá-los para exigir uma reestruturação imediata ou faseada.
O corolário lógico de uma auditoria cidadã tem duas dimensões:

a) A sociedade civil deixa de estar submetida a imperativos tecnocráticos e opacos; passa a dispor de um instrumento de pressão política, devidamente investigado e fundamentado, para exigir, nos termos que definir, uma reestruturação que dê prioridade às pessoas e ao bem-estar, não aos credores;

b) Uma reestruturação da dívida por iniciativa dos devedores será sempre mais justa do que se for orientada pelos interesses dos credores. Porquê? Porque será efectuada atendendo aos interesses de todas as partes envolvidas, priorizando os interesses das cidadãs e cidadãos portugueses.

8. Quem é que faz a auditoria cidadã?
A auditoria cidadã deve ser feita por membros da sociedade civil, com ou sem filiação partidária, sindical ou associativa. Para ser bem sucedida, a comissão deve procurar incluir, em todo o processo, representantes de instituições públicas relevantes, como os já referidos TC e BdP, e um observador do IGCP, que será uma das entidades auditadas. Além disso, deve incluir, como membros ou observadores, colaboradores de organizações internacionais com experiência em auditoria à dívida (p.ex: CADTM, Eurodad, New Economics Foundation, Jubilee Campaign, ODG).

9. Quem é que fiscaliza uma auditoria cidadã?
A fiscalização da auditoria cidadã e a responsabilidade solidária dos membros da comissão de auditoria são duas das garantias que tornam esta opção mais credível e fiável que as suas concorrentes. No entanto, todas as decisões acerca da fiscalização - orgânica, competências e prestação de contas - devem ser tomadas no seio de uma plataforma representativa da sociedade civil. Com estes equilíbrios e garantias, a auditoria cidadã fica em condições de exigir um mandato político que lhe permita aceder a toda a documentação relevante e a fazer um levantamento rigoroso e exaustivo da dívida pública e dívida privada garantida pelo Estado.

10. Que tipos de trabalho, prazos, obstáculos e pressão são de esperar numa auditoria cidadã à dívida pública?
Uma auditoria cidadã pode proceder de várias formas e em várias fases. Este é um exemplo retirado do manual do CADTM para auditorias à dívida:

a) Análise geral dos processos de endividamento
b) Análise dos contratos
c) Exame à alocação real das verbas
d) Análise dos dados actuais

Existe uma quantidade indeterminada de obstáculos e pressões, mas podemos apontar alguns:

a) Obstáculos técnicos: dificuldades na identificação dos dados e contratos relevantes; acesso a documentos e dados relativos a dívida não contabilizada ou de contabilização duvidosa (Parcerias Público-Privadas; Empresas Públicas; Entidades Públicas Empresariais), acesso a documentos e dados relativos a dívida privada garantida pelo Estado; quantidade e complexidade dos dados/contratos.

b) Obstáculos políticos: bloqueio do acesso à informação por agentes políticos (nacionais e internacionais); falta de credibilidade técnica e política da auditoria e dos auditores; baixo pluralismo no debate mediático (vantajoso para oposição à auditoria cidadã).

11. Em que países foram feitas auditorias cidadãs, ou com participação alargada da sociedade civil, à dívida pública, e com que consequências?
Foram feitas auditorias cidadãs no Brasil, Filipinas e Uruguai. E também no Equador, mandatada pelo presidente Rafael Correa. A dívida foi reduzida em 25%, parcela que foi considerada ilegal.

12. No contexto dos países periféricos da Europa, está a proceder-se ou proceder-se-á a alguma auditoria cidadã?
Na Grécia, foi constituída uma comissão de auditoria, com membros da comunidade científica, política, sindical e activista. A Declaração de Atenas foi apresentada em Maio de 2011, e exige a «auditoria democrática das dívidas», «respostas soberanas e democráticas à crise da dívida» e «restruturação económica e redistribuição, não endividamento.» O apelo à constituição da comissão (traduzido aqui) foi subscrito por várias personalidades internacionais. Na Irlanda, uma iniciativa coordenada pela AFRI - Action for Ireland, pela DDCI - Debt and Development Coalition Ireland (que congrega cerca de 90 organizações), e pelo Unite (um dos maiores sindicatos irlandeses), foi lançada a 4 de Maio. Serão contratados 3 investigadores, que terão o apoio de 4 representantes de cada uma das organizações coordenadoras. Todo o processo será financiado pela sociedade civil e o projecto apresentará resultados preliminares em Junho.

Luís Bernardo, Mariana Avelãs, Nuno Teles

democracia, quero-te tanto

(como um abraço às gentes de barcelona)

gosto-te democracia, e acho-te tão presente
para fazer frente a tudo o que é ainda ausente de ti.

os baixos salários, a cara saúde, a educação roubada a tantas,
a dívida que impuseram à minha filha de 12 anos,
(brutalmente)
não te consultaram, consultaram o FMI.
(Formadores de Miséria Internacional, caso não saibas o que quer dizer)

o FMI, democracia, é um bando de gente
repelente. vivem à custa da gente,
tão somente.
e contam para isso com o apoio de muita gente clarividente:
governos, corporações económicas, bancos europeus e outros tantos filisteus.
gente que não é como a gente.
ganha melhor, mente mais e melhor,
vai mais vezes à televisão ou tem ar de patrão.
quando não nos enganam com a palavra,
o marketing, a publicidade,
os juros que nos tiram o sono,
as promessas de uma vida melhor daqui a dez mil anos,
têm na polícia a sua arma encapotada,
e com cada mão num bastão, atiram-te ao chão.

votar, sendo fundamental, não te basta, eu sei.

temos de nos fazer à rua, felizmente.
ainda bem que tu, democracia,
belíssima e sempre inacabada
(genialmente imperfeita, atrevida, delicada)
nasceste sempre por ali,
num canto,
numa esquina, na curva de uma praça,
à sombra de uma azinheira,
entre gente que, como a gente,
quando não lhes deixam sonhar
quando lhes roubam gritar
quando não lhes deixam descansar,
ou te julgam ausente,
de uma maneira ou de outra
vai estar
e já está, presente.

(também publicado em também jogamos sapato)

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Petição pelo rigor na cobertura mediática do acordo com a “troika”

Vários economistas e outros cientistas sociais responderam ao apelo lançado por nós e subscreveram uma petição que visa acabar com a confusão entre crédito, intervenção e ajuda externa que trespassa a cobertura noticiosa do acordo com a "troika". A petição está disponível aqui, tendo sido também criado um blogue.
Por agora, a petição foi enviada para a comunicação social e os respectivos provedores. Em breve, será enviada com as assinaturas angariadas para a Entidade Reguladora da Comunicação Social. Se tudo correr bem, será dado mais um passo para que as notícias sobre economia sejam dadas de forma tão imparcial e pluralista possível, pelo que apelamos ao vosso apoio.

#acampadaporto 6º dia

#acampadaporto 6º dia

Ocupação. Cada vez isto faz mais sentido. Aos poucos a cidade desperta para o problema político e social que estamos a viver. É esse despertar que nos dá força para continuar a resistir.

Muitos daqueles “olheiros” que nos chamavam de estranhos e de estrangeiros nos primeiros dias, hoje fazem parte da ocupação. São estas pequenas vitórias que nos fazem resistir quando temos sono, quando temos fome ou simplesmente quando temos saudades do nosso sofá.

Ontem o dia foi preenchido por actividades, no final da tarde a praça estava ocupada por cerca de 200 pessoas (novo recorde). A assembleia correu sem problemas e foi bastante participativa, assim como o debate sobre países como Portugal e Espanha na U.E..

A noite correu sem qualquer problema, o Comité de Respeito (grupo de vigilância) teve direito a café quente graças à generosidade de um “solidário”.

A manhã de hoje serviu para dialogar como os “olheiros” e limpar o espaço. O dia de hoje promete ser bom, o ambiente de mudança está no ar, o espírito de protesto ganha mais força, a praça agita-se e ganha vida.

Tiago Braga, ocupante da praça



PROGRAMAÇÃO QUINTA-FEIRA (Jueves)


18h - Oficina sobre assédio sexual com GATA (Group for Activism and Transformation through Art)

19h - workshop - desobediência civil

21h30- Assembleia

23h - Debate: “Como reduzir o consumismo excessivo”

Eduardo Galeano sobre «os Indignados»

quarta-feira, 25 de maio de 2011

As regras do jogo

Na discussão pública sobre a questão da dívida soberana, os cenários de reestruturação ou de não pagamento parcial são em regra rotulados, negativamente, como soluções «fora-da-lei». Isto é, como opções ilegítimas e imorais de que qualquer governo deverá abdicar, caso queira conservar, pelo menos, uma espécie de «dignidade» ou de «honra» institucional.

Valerá contudo a pena lembrar que as taxas de juro pornográficas a que têm estado sujeitas as dívidas soberanas dos países periféricos têm justamente, como fundamento, o risco de incumprimento. Ou seja, reestruturar ou saldar apenas parcialmente uma dívida faz necessariamente parte das regras do jogo, a partir do momento em que se aceita que um país fique obrigado a pagar um montante adicional, decorrente da «estimativa de risco» que os mercados entendem (sem demonstrada objectividade, aliás) apurar.

É por isso absurdo o manto hipócrita de imoralidade e ilegalidade que se estende sobre os cenários de reestruturação e de não pagamento da dívida, sobretudo quando é com total naturalidade e legitimidade que se aceita o pagamento de um montante acrescido apreciável (que se soma ao «valor legítimo» dos juros), nas situações em que os Estados saldam atempadamente as suas dívidas. Aliás, ao demonstrarem, desse modo, como eram infundadas as estimativas de incumprimento, os Estados deveriam inclusivamente poder mover acções indemnizatórias contra os credores, por manifesta falta de «verificação» do risco que levou à fixação de taxas exorbitantes.

(Publicado originalmente no Ladrões de Bicicletas)

PORQUE NÃO DEVEMOS ACEITAR A "AJUDA" DA TROIKA



Se não tivéssemos dinheiro agora para fazer face às questões relevantes para o Povo Português, também não é com o acordo da Troika que o teríamos, já que dos 78 mil milhões de euros a que o mesmo se reporta, 12 mil milhões são para meter directamente na banca, 34 mil milhões para pagar juros - os juros exorbitantes, especulativos e usurários que a banca estrangeira, em particular a alemã, nos foi impondo - e 30 mil para avales e outras garantias do Estado a instituições do sector financeiro. Ou seja, nada destinado ao pagamento de salários, pensões ou subsídios ou a matar a fome a quem dela sofre.

A verdade é que, sem esta "ajuda" da Troika, o País continua a produzir - ainda que bastante menos do que podia e devia - e os trabalhadores continuam a pagar todos os meses os seus impostos e contribuições. Todos os meses são produzidos cerca de 15 mil milhões de euros de riqueza (média mensal do nosso PIB) pelo que é uma falácia dizer que o País já não teria dinheiro para pagar salários no próximo mês. Pois só não teria se continuasse a pagar os tais juros especulativos, a meter dinheiro na banca (só no BPN já lá vão mais de 5 mil milhões), nas parcerias público-privadas (que representam mais de 50 mil milhões de dívida), etc., etc.

Se a isto se somar que, como todos sabemos, em Portugal só paga impostos quem trabalha, que, por exemplo, a banca tem pago cerca de 1/4 dos impostos pagos pela generalidade das empresas enquanto a sua dívida ao exterior é a mais elevada de todas e que a evasão e fraude fiscais são calculadas, por defeito, pela própria Troika, em cerca de 7,5 mil milhões de euros, creio que fica à vista que consequências negativas para o Povo Português decorrerão é dele aceitar cumprir as imposições da Troika e pagar uma dívida que não contraiu e que era, e é, perfeitamente possível ao País seguir o caminho do não pagamento de tal dívida.

Finalmente, um plano de desenvolvimento económico assente no aproveitamento das nossas vantagens competitivas (como as nossas águas e a nossa localização geo-estratégica) permitiria criar economia e, mais do que isso, atrair investimento. Recordo que, por exemplo, o Porto de Sines - que é o único porto atlântico de águas profundas da Península Ibérica e que dispõe da mais moderna tecnologia - é contribuinte líquido positivo para o Estado Português, tem uma taxa de endividamento financeiro de 0% e vai auto-financiar-se para a sua ampliação. E a própria Lisnave, vendida a privados pelo preço simbólico de 1€ está hoje a impôr-se como uma empresa altamente rentável na área da reparação naval, onde sempre fomos dos melhores do mundo.
Estes são apenas alguns exemplos mas acredito que é este o caminho!

(Texto também publicado em www.bloggarciapereira.blogspot.com)

#acampadaporto 5º dia

A tarde ontem foi a melhor de todas as tardes. As actividades políticas ali realizadas foram um chamariz para quem estava de fora e realmente enriquecedoras para quem estava a ocupar.

O workshop mais participado foi dado pelo GATA, “Feminismos e intervenção artística”, reuniu pessoas de todas as faixas etárias. Muitas pessoas estavam ali para tentarem saber como se poderia o feminismo enquadrar com a arte e outras porque queriam simplesmente discutir feminismos.

A assembleia correu da melhor forma, bastante participativa e dinâmica Estiveram presentes cerca de 100 pessoas.

Foi decidido no final de cada assembleia se realizar um debate com um tema decidido em assembleia anterior. O tema de debate de hoje é “Portugal e Espanha na U.E.”.

Nunca se viu a assembleia tão motivada como o dia de ontem. A praça ganhou vida e isso contagia.


PROGRAMA QUARTA-FEIRA (Miércoles)

10h - Sessão de relaxamento com Ana Castro
11h - Malabares
18h - À procura do ponto g com Carmo
19h - Música na batalha
21h30 - Assembleia
23h – Debate “Portugal e Espanha na U.E.”

terça-feira, 24 de maio de 2011

Declaração de Atenas (traduzida)

Declaração da Conferência de Atenas sobre Dívida e Austeridade
Declaração de Ação e Solidariedade | Maio 2011

Nós, representantes de movimentos e ativistas de todo o mundo, reunimo-nos em Atenas para discutir as lições das anteriores crises económicas internacionais, para oferecer a nossa solidariedade ao povos europeus que lutam contra programas de austeridade impostos por governos da União Europeia, e para formular um plano de ação para uma economia que responda às necessidades do povo e não de uma pequena elite social.

Muitos países no mundo desenvolvido vivem em crises de dívida desde os anos 70. Após empréstimos irresponsáveis feitos pela finança internacional, alguns dos povos mais pobres do mundo depararam-se com cortes nos rendimentos e nas prestações sociais quando o Fundo Monetário Internacional impôs políticas severas como contrapartida pelas ajudas à finança e aos bancos.

Estas políticas foram injustas e não ajudaram à recuperação. Em vez disso, aumentaram a dependência dos países endividados face ao poder dos mercados financeiros, tornando os governos menos responsabilizáveis perante o seu próprio povo. Só quando um conjunto de países se levantou contra a imposição da austeridade, contra a ajuda à finança e contra o peso insustentável da dívida foi possível recuperar economicamente. Foi isto o que sucedeu na Argentina em 2001.

Hoje, os países periféricos da União Europeia enfrentam uma profunda crise da dívida. Foram empurrados para ela por um quadro institucional injusto da União Europeia e das suas políticas económicas neoliberais, assim como pelo sistema financeiro internacional, que se tornou extremamente poderoso, predatório e irresponsável.

No despertar da crise económica internacional, dívidas maciças foram contraídas pelos países periféricos, refletindo por um lado o fosso face ao centro da eurozona, e por outro aprofundando a desigualdade entre os mais ricos e o resto da sociedade. Os trabalhadores trabalhadoras são agora forçados a carregar o peso destas dívidas, mesmo sabendo que não beneficiaram com ela.

Medidas de austeridade e a privatização irão pressionar mais duramente os mais pobres, enquanto aqueles que criaram a crise serão ajudados. Os ricos e as grandes empresas continuarão a escapar a impostos que poderiam ser utilizados para construir uma sociedade mais justa. Se essas medidas não forem contestadas, terão um imenso impacto na Europa, alterando, por longos anos, o equilíbrio de poderes a favor do capital e contra o trabalho.

Aqueles que estão na primeira linha opor-se-ão à tentativa de transferir para os pobres e para quem trabalha os custos da crise, enquanto os muito ricos escapam. Em primeira instância, isto quer dizer que os povos da Grécia, da Irlanda e de Portugal desafiarão as políticas de austeridade da União Europeia e do FMI, opondo-se ao poder financeiro internacional e rejeitando a escravatura da dívida. Apelamos aos povos de todo o mundo para que manifestem a sua solidariedade para com os movimentos que nestes países lutam contra a dívida e contra as políticas nocivas que lhe sucedem.

Pedimos especificamente apoio para:

* A auditoria democrática das dívidas como um passo concreto na direção da justiça do endividamento. Auditorias da dívida que envolvam a sociedade civil e os movimentos de trabalhadores organizados permitirão definir que partes da dívida pública são ilegais, ilegítimas, odiosas ou simplesmente insustentáveis. São um instrumento que permite a quem trabalha verificar a validade da dívida pelo qual está a ser responsabilizado e exercer o controlo sobre o reembolso. Incentivam igualmente a responsabilidade democrática e a transparência na administração do setor público. Manifestamos solidariedade com a auditoria da dívida na Grécia e na Irlanda e estamos prontos para ajudar em termos práticos.

* Respostas soberanas e democráticas à crise da dívida. Os governos devem responder primeiramente ao seu povo, e não a instituições às quais não pode pedir responsabilidades, como a União Europeia ou o FMI. Os povos de países como a Grécia devem decidir que políticas aumentam as suas hipóteses de recuperação e de sustentabilidade. Há muitas de experiências de respostas soberanas efetivas e radicais ao problema da dívida.
Os Estados soberanos detêm o poder de impor uma moratória ao pagamento se a dívida estiver a destruir a subsistência dos trabalhadores e trabalhadoras. Mesmo as resoluções da ONU legitimam a cessação dos pagamentos em estado de emergência.

* Reestruturação económica e redistribuição, não endividamento. O domínio das políticas neoliberais e o poder da finança internacional levaram a um baixo crescimento, ao aumento das desigualdades, a grandes crises e à erosão dos processos democráticos.
É imperativo que as economias sejam colocadas em bases diferentes através de programas de transição, que incluem o controlo de capitais, o controlo sobre os bancos e a sua apropriação pública, uma política industrial que assente no investimento público e respeite o meio ambiente. O primeiro objetivo deverá ser proteger e ampliar o emprego. É igualmente vital que os países adotem políticas redistributivas de grande amplitude.
A base tributável deverá ser mais ampla e mais progressiva, através da tributação do capital e dos ricos, permitindo assim a mobilização dos recursos internos como alternativa à dívida. A redistribuição deverá igualmente incluir a restauração dos serviços públicos de saúde, educação, transporte e pensões, assim como reverter a pressão para diminuir salários e vencimentos.

Estes são os primeiros passos para a criação de uma economia que responda às necessidades e aspirações dos povos, alterando o equilíbrio de poderes em detrimento do grande capital e das instituições financeiras.
E permitirão que os povos de toda a Europa, e mais amplamente de todo o mundo, exerçam um melhor controlo sobre suas próprias vidas, e sobre o processo político. Oferecerão igualmente esperança à juventude de toda a Europa, que que se vê atualmente diante de um futuro sombrio, de emprego escasso, salários baixos e falta de perspetivas. Por estes motivos, a justiça face ao problema da dívida da Grécia, Irlanda e Portugal é do interesse dos trabalhadores de todo o mundo.

Atenas, 8 de Maio de 2011

Initiative for the Greek Audit Commission
European Network on Debt and Development
The Committee for the Abolition of Third World Debt (CADTM)
The Bretton Woods Project, UK
Research on Money and Finance, UK
Debt and Development Coalition Ireland
Afri - Action from Ireland
WEED - World Economy Environment Development, Germany
Jubilee Debt Campaign, UK
Observatorio de la Deuda en la Globalización, Spain

(Tradução de Rui Santos, a partir do inglês)

«Me gustas democracia, pero estás como ausente»

(Foto Pedro Moura)

José Vítor Malheiros, Público, 24 de Maio de 2011

Estes jovens não se sentem tratados com justiça pelo sistema económico nem representados pelo sistema político.

A frase que dá título a esta crónica, com um cheirinho a Neruda, está escrita num cartão encostado à estátua de D. Pedro IV, no Rossio, em Lisboa. É um dos muitos cartões com dizeres que se acumulam na acampada a que um grupo de jovens espanhóis deu início na semana passada em Lisboa e aos quais se juntaram, entretanto, dezenas de jovens portugueses. O grupo chega a algumas centenas nas “assembleias populares”, momentos de maior concentração. Mas este mesmo cartaz não está só em Lisboa. Ele está a aparecer em dezenas de cidades europeias.

Estes jovens do Rossio são uma extensão do grupo de espanhóis que tem estado nos últimos dias a ocupar a praça da Puerta del Sol em Madrid e outras cidades espanholas e que se tem alargado entretanto, via redes sociais, a outras cidades europeias (Amsterdão, Bruxelas, Paris, Dublin, Berlim…) . A Internet está cheia de vídeos, blogs e tweets destas concentrações, ocupações, acampamentos, organizados de forma espontânea ou convocados de forma descentralizada por jovens reunidos no Movimento 15-M (de 15 de Maio, data da primeira concentração espanhola) e unidos sob o slogan “Democracia real já!”.

Os jovens espanhóis disseram-se desde o início inspirados pelo movimento português Geração à Rasca, mas as manifestações do Norte de África também são referências no discurso dos oradores que se sucedem atrás dos megafones nas várias cidades europeias. O que querem estes jovens? O que gritam nos seus megafones? O que escrevem nos seus cartões? Democracia verdadeira, dizem. As palavras de ordem, que se repetem com variantes em todas as cidades, são humorísticas (“Yes we camp!”) e de desafio (“Toma la calle!”, “J’y suis! J’y reste! Je-ne-partirais-pas!”) mas são também claramente reivindicativas: “I don’t feel represented!”, “Não somos anti-sistema. O sistema é anti-nós”, “Esta crise não pagamos”, “Não somos mercadoria de políticos e banqueiros”, “A bancos salvais. A pobres roubais”. Há slogans a fazer lembrar Maio de 68 (“Os nossos sonhos não cabem nas vossas urnas”, “Se não nos deixam sonhar, não vos deixaremos dormir!”), outros mais claramente políticos (“Contra a ditadura capitalista”, “Contra a ditadura económico-financeira”, “Pelo poder popular”), outros anti-liberais (“Porqué manda el mercado, si yo no le he votado?”), muitos contra o FMI. Muitos contra a corrupção (os políticos chorizos…). E muitas referências à Revolução, que estará a começar. Há queixas que se aproximam perigosamente do discurso populista anti-partidos. O cuidado (excessivo) em não se aproximarem das propostas deste ou daquele partido torna por vezes as críticas difusas e as propostas vagas, mas uma coisa é evidente: estes jovens não se sentem representados pelos políticos (“No! No! No-nos-representan!”). Nem no seu país nem na Europa. Nem se sentem tratados com isenção pelo sistema eleitoral. Não se sentem tratados com justiça pelo sistema económico. Não se sentem defendidos pelo sistema judicial. Sentem que o sistema financeiro é desumano, injusto e fomenta a desigualdade e o crime. E, quando se ouvem melhor, as suas críticas aos partidos têm a ver com o facto de o sistema os forçar a escolher entre um PS e PSD (em Portugal) ou entre um PP e PSOE (Espanha) que, se podem ser distinguíveis, representam uma democracia armadilhada, que está como ausente, que coloca todas as escolhas fora da sua mão, do seu voto, da sua vontade, na mão do FMI, da União Europeia ou do mercado. Não foi por acaso que a multidão que enchia a Puerta del Sol recebeu o resultado das eleições regionais espanholas na mais absoluta indiferença. O que os move não é a adesão a este ou àquele partido. Nenhum os entusiasma nem lhes merece confiança. Não apelam ao voto nem à abstenção, mas sentem que não é nas eleições que vão conseguir mudar o que querem mudar. E, ganhe quem ganhar as eleições, estão dispostos a não nos deixar dormir. Ainda bem.

#acampadaporto PROGRAMA

TERÇA:

11H - Malabares

13h-14h30- Oficina de construção de malabares, com Teresa e Xabi

16h-19h Astrojax com Augusta

18h30-19h- Zu pergunta

19h30-20h30 Feminismo e intervenção artistica com GATA (Group for Activism and Transformation through Art)

20h30- A.I.T.S.P. Porto (Associação Internacional de Trabalhadores Secção Portuguesa) conversa sobre acção directa e assembleias populares

21h30- Assembleia



QUARTA

10h- Sessão de relaxamento com Ana Castro

11h- Malabares

18h - À procura do ponto g com Carmo

19h- Música na batalha

21h30- Assembleia



QUINTA

11h - Malabares

18h - Oficina sobre assédio sexual com GATA (Group for Activism and Transformation through Art)

21h30- Assembleia



SEXTA

11h- Oficina de Artesanato com Augusta

12h- Conversa sobre decrescimento com Maria João Rebola



18h- Marita Ferreira conversa sobre a correlação entre a crise económica e o activismo lgbt

21h30- Assembleia



SÁBADO

15h- Manifestação

18h- Piquenique

21h30- Assembleia



DOMINGO

11h-12h / 18h-19h - Helena conta contos (para crianças até os 10 anos)

20h - Noite de Flexibilização do Género

21h30- Assembleia



TODOS OS DIAS: ABRAÇOS GRÁTIS

#acampadaporto 4º dia

Ontem era o dia mais temido para alguns dos presentes na acampada. Não sabiamos se o povo iria desmobilizar com o regresso à rotina semanal. A verdade é que ontem acabou por ser o melhor dia da acampada. Mais pessoas durante a tarde que o habitual, muitas actividades a acontecer e muita vontade de continuar a ocupar a rua!

Temos neste momento um espaço de leitura (com jornais diários oferecidos) e de estudo, uma cozinha (ontem disseram em assembleia que iriamos ter um fogão), uma zona para jogos didáticos e finalmente um local de descanso protegido pelo sol.

Está disponível também pela praça folhas brancas estendidas na corda como se de roupa a secar se tratasse. Mesmo as pessoas mais apressadas que passam pela praça sentem necessidade de escrever algo. Este espaço é mais uma ferramenta para dar voz a quem quer se escutado.

Interessante também é reparar-mos que as pessoas “à volta” já não olham para nós como estranhos ou estrangeiros, mas sim como ocupantes da praça. Perceberam finalmente que estámos ali a fazer política, e tentam nos ajudar como podem, normalmente oferecendo comida.

A assembleia voltou a ser a crescer. Tivemos a companhia da RTP que fez questão de assistir à mesma na sua totalidade.

Foi decidido que a assembleia é um espaço de decisão. Para discussão e reflexão serão usados outros espaços de debate.

Após assembleia realizou-se vários debates com bastante adesão entre os quais sobre o movimento lgbt em portugal, formas de luta, etc.

De assinalar que esta acampada não se concentra num só tema, como o FMI por exemplo, debatendo outros tantos problemas que o sistema político actual apresenta.

A noite foi passada sem problemas, e a alvorada foi marcada pela boa disposição como de costume.

Hoje o dia está preenchido com actividades/workshops sendo que o primeiro começa ás 11h da manha. Apareçam! Tragam alegria, criatividade, protesto e amor, a praça nunca antes foi tão nossa.


Tiago Braga, ocupante da praça

Os "Robins dos Bosques" invadem o "castelo" do J.P. Morgan Chase


O J.P. Morgan Chase é um dos grandes bancos dos EUA, resgatados com dinheiro dos contribuintes depois de terem criado uma crise global. Por isso mesmo foi escolhido pelo Showdown in America, um movimento de afectados pela crise pela regulação do sistema financeiro, para uma acção de protesto ambiciosa.
Enquanto os executivos do J.P. Morgan se reuniam num edifício rodeado por um fosso, em Columbus, Ohio, centenas de pessoas juntaram-se para exigir que o banco assuma a sua responsabilidade pela crise que ajudou a causar. Entre os manifestantes estavam muitos dos afectados pela crise, pessoas que ficaram sem as suas casas e empregos depois de décadas a pagar impostos e prestações do crédito imobiliário. Um forte cordão policial impediu os manifestantes de se aproximarem do edifício, tendo inclusive cortado as estradas nas imediações, pelo que foi necessário usar a imaginação.
Um grupo vestido de Robin dos Bosques decidiu invadir o recinto, montando uma ponte flutuante para passar o fosso. A polícia reagiu usando cães e gás pimenta para os dispersar mas o "exército" aguentou a sua posição. Mais uma vitória para a democracia!

segunda-feira, 23 de maio de 2011

#acampadaporto 3º dia

A acampada está viva e recomenda-se!

A assembleia:

Cada dia um recorde novo, mais uma vez, a maior assembleia de sempre na Praça da Batalha, quase 100 pessoas.
A assembleia de ontem foi marcada pela discussão do ponto 6 do manifesto, onde se li-a: “...as agências de notação financeira, como a Moody’s e a Standard and Poor’s, o PS, o PSD, o CDS; contudo, há muitos mais e a nossa obrigação é nomeá-los.” passou a ler-se “...as agências de notação financeira, como a Moody’s e a Standard and Poor’s, partidos politicos que pela sua acção ou inércia nos conduziram à situação política actual.” A decisão foi consensual: Podemos compreender que colocar o PCP ou o BE no mesmo saco que o PS e PSD seja injusto (para alguns presentes), no entanto somos um movimento apartidário como tal, nos recusamos a qualquer tipo de aproximação partidária.
Outro ponto das ordens de trabalho foi “o que estámos aqui a fazer, qual o nosso objectivo?” A duvida era se deveriamos ter propostas de mudança concretas ou não. Foi novamente decidido por concenso que este movimento é de protesto/indignação. Este movimento faz política com amor e criatividade na praça, hoje não queremos nem temos espaço para “projectos de lei”.
Foi pedido na assembleia que as pessoas tragam tendas de campanha, fogão de campismo, plásticos etc. Também aceitamos comida!

A noite:

Dormir na Praça é sempre divertido. Os problemas do costume, mas nada de grave. Hoje fomos cerca de 30 pessoas a pernoitar.

Programa já marcado para hoje:

Debate Direitos LGBT
Workshop Malabares
Distribuição de flyers
22H - Assembleia


De entristecer a fraca adesão dos movimentos portugueses. O que nos safa são os espanhois! Hasta luego hermanos!

15-M: Não Há Democracia Verdadeira sem Democracia Económica

Por Juan Torres López – Conselho Científico da ATTAC Espanha.

“Toda a riqueza do país nas suas formas distintas e seja qual for a sua titularidade está subordinada ao interesse comum.”
(Artigo 128.º da Constituição Espanhola)

O movimento 15M pôs sobre a mesa um debate que se tem furtado à cidadania espanhola durante os últimos trinta anos: o da democracia imperfeita existente no nosso país.

Milhares de pessoas gritam nas nossas ruas para exigir democracia verdadeira, porque entendem, com razão, que não se sentem representadas pelo regime bipartidário instituído de facto pela lei eleitoral vigente, com o objectivo principal de excluir a esquerda menos colaboracionista do cenário político. Porque entendem que a democracia é incompatível com a apresentação de dezenas de arguidos nas listas eleitorais, com a opacidade do financiamento dos partidos, com a falta de controlo do património de quem diz servir os interesses públicos, começando pelo Chefe de Estado, ou com as vergonhosas imagens de deputados ausentes dos seus lugares enquanto outros falam fastidiosamente para o ar. E ainda, porque acreditam, porque acreditamos, que também não se pode falar de democracia quando a propriedade dos meios de comunicação se concentra cada vez mais nas mãos de grandes grupos financeiros ou até de fundos especulativos, para evitar que se convertam em espaços de debate público e informação objectiva.

Milhares de pessoas reclamam, reclamamos, Democracia Verdadeira Já, porque cada vez sentimos mais indignação quando vemos que quem o presidente (primeiro-ministro) chama para tratar de fazer frente à crise, não são os cidadãos e cidadãs que perderam as suas casas, os desempregados, os pequenos e médios empresários que criam 90% do emprego existente, mas sim os banqueiros especuladores e os administradores que mais natureza e emprego destroem e que utilizam os paraísos fiscais para escapar às suas responsabilidades para com o Estado — e portanto para com todos nós que pagamos impostos. E saímos às ruas, porque estamos fartos de ser chamados a votar de tanto em tanto tempo, sem que os nossos votos sirvam para decidir as questões mais importantes que, no entanto, são resolvidas a seu bel-prazer pelos poderes de facto, que não se apresentam a eleições: os banqueiros, a hierarquia da Igreja Católica, os dirigentes patronais e os grandes proprietários ou os donos dos meios de comunicação mais influentes.

Exigimos democracia, porque acreditamos que não podemos dizer que esta exista em Espanha quando também não existe numa Europa que apenas dá preferência aos mercados, que renuncia a ser algo mais que um grande espaço de liberdade financeira ao serviço do capital e cujos dirigentes se deixam dominar pelos grupos de pressão e poder dedicados a impor aos povos as receitas neo-liberais.

Exigimos com razão Democracia Verdadeira Já, para conseguir que os direitos políticos e a capacidade de decisão de todos os cidadãos e cidadãs sejam exactamente os mesmos, sem distinção. Mas, precisamente por isso, não devemos esquecer-nos que será impossível que exista democracia verdadeira se não houver democracia económica, ou seja, se não se garantir a todos os indivíduos, também sem distinção, o rendimento, os meios e as oportunidades suficientes para viver e satisfazer com dignidade as suas necessidades.

As políticas económicas neo-liberais que se têm aplicado nos últimos trinta anos constituem de facto uma negação da democracia, porque geram condições de emprego e salários tão baixos, que condenam milhões de trabalhadores e trabalhadoras à precariedade constante, impedindo-os de viver dignamente. Porque permitem que os bancos multipliquem sem limite a criação de dívida que escraviza as famílias e as pequenas e médias empresas. Porque criaram instituições, como os bancos centrais independentes, que podem modificar ferramentas fundamentais da vida económica, de que dependem a distribuição da riqueza e o bem-estar das pessoas, sem qualquer controlo dos poderes representativos. Porque privatizaram capital e empresas públicas a preços de saldo e sem qualquer debate social sobre a sua conveniência ou vantagens; porque restringiram a despesa pública, privando milhões de pessoas de bens colectivos de qualidade para pôr cada vez mais serviços públicos nas mãos do negócio privado, contra o desejo da maioria da população, e porque cada vez mais as instituições públicas representativas estão desarmadas, cedendo poder aos mercados e a grupos de pressão para que os grandes empresários, os banqueiros, os oligarcas do século XXI imponham livremente a sua vontade ao resto da sociedade. E porque aumentaram escandalosamente a desigualdade, fortalecendo o poder das minorias mais ricas e condenando ao ostracismo cada vez mais milhões de pessoas.

E é fundamental ter em conta que, se esta falta de democracia económica impede que se possa falar também de democracia política, a ausência de ambas é a verdadeira causa que deu lugar à crise que vivemos, porque deixou as finanças especulativas e os banqueiros que cometeram todo o tipo de fraudes e enganos sem controlo. Como, noutra escala, também é a causa dos grandes problemas económicos no mundo actual, dos quais se destacam a destruição do nosso meio ambiente, a fome e a discriminação que as mulheres e outros grupos populacionais, como os imigrantes, continuam a sofrer.

É completamente impensável, no entanto, que possamos resolvê-los sem avançarmos decisiva e realmente para uma democracia económica. E é uma mentira gigantesca que se possa sair da crise, como dizem os nossos governantes, com reformas laborais e das pensões, com políticas de austeridade e com mais privatizações, que apenas agudizam os problemas que provocaram a crise e limitam ainda mais a capacidade de decisão da cidadania, ou seja, a democracia.

Em Espanha falta-nos democracia económica e, para a ter, é imprescindível um firme compromisso de Estado que garanta o alcance efectivo dos direitos constitucionais com um emprego decente, um salário de suficiência, saúde, educação, uma pensão digna e habitação. Se a democracia começa pelo cumprimento das leis, exijamos que se cumpra a primeira delas, a Constituição.

Não poderemos falar de verdadeira democracia em Espanha enquanto houver uma única pessoa sem salário ou com rendimentos miseráveis, ou sem poder habitar uma casa digna. Se queremos falar de democracia há que garantir os direitos económicos e sociais básicos de toda a população e sabemos que, se hoje em dia não estão garantidos no nosso país, isso deve-se às políticas económicas que se têm aplicado e que têm que mudar.

A história e a experiência dos países que lograram mais avanços nestes campos mostra-nos, sem margem para dúvidas, que o usufruto destes direitos não é garantido pelo mercado (restringindo a despesa pública e cedendo as escolas a fundos especulativos, como em Madrid), mas que é imprescindível uma forte intervenção pública.

E para poder levá-la a cabo é necessário, por um lado, uma Reforma Fiscal urgente que dê equidade ao nosso sistema fiscal e um plano de luta contra a economia clandestina e a evasão fiscal. E, por outro lado, uma potente estratégia de recuperação do rendimento e da actividade económica.

Para consegui-lo é preciso, em primeiro lugar, dispor de financiamento suficiente e, para isso, devem nacionalizar-se as caixas e os bancos que não ponham imediatamente os seus recursos ao serviço da actividade produtiva. Há que travar quanto antes a espoliação do sistema financeiro espanhol que a banca privada quer fazer. Em segundo lugar, devem ser devolvidas ao estado as empresas de interesse estratégico para a economia nacional, que foram privatizadas sem consultar a cidadania e sem debate sobre as vantagens ou inconvenientes. E em terceiro lugar, dever-se-á subscrever um amplo Pacto de rendimentos que garanta, por um lado, o incremento da participação dos salários no rendimento nacional, que é um objectivo imprescindível para garantir a saída da crise, através da recuperação da procura e da actividade; e, por outro lado, aumentos da produtividade e reformas substanciais no modelo produtivo, que permitam que a nossa economia não tenha que limitar-se à inserção passiva nos mercados globais, como até agora, para benefício exclusivo das grandes empresas. Para isso há que começar por revogar imediatamente as medidas de cortes nos direitos sociais e laborais adoptadas sob a pressão do terrorismo financeiro desde Maio de 2010 até à data.

Perante o problema da dívida que atinge a nossa economia, deve fazer-se uma auditoria à dívida pública e perguntar à população se deseja encarregar-se da que tenha sido contraída por irresponsabilidade dos bancos e das grandes empresas ou em consequência das suas operações especulativas contra o estado espanhol.

Espanha tem uma escolha: definhar num regime bipartidarista de democracia imperfeita que tira poder à cidadania para o dar aos mercados e que fomenta uma economia dependente, oligárquica e destruidora de emprego, de actividade e de riqueza ambiental e natural, ou, como começa a acontecer nas ruas, dizer não à estratégia económica neo-liberal que os poderes económicos e financeiros impuseram aos políticos que governaram a saída (inacabada) do franquismo.

Mulheres e homens comuns que somos, podemos mudar o rumo da história e podemos evitar que os poderosos imponham sempre os seus interesses aos demais. Agora podemos consegui-lo em Espanha e avançar assim para a Democracia Verdadeira com democracia económica, se forem cumpridas duas condições. Uma, que não se renuncie ao poder que nasce nas ruas face aos impostores que se empenham em que paguemos nós a crise que eles próprios provocaram. E outra, que a rebeldia se estenda, como começou timidamente a acontecer, ao conjunto da União Europeia, porque é aí, sob o domínio do poder neo-liberal mais fundamentalista, que se encontra hoje o elo mais determinante da cadeia que nos escraviza.

Botín [1] não é o dono da Espanha! Democracia Verdadeira JÁ!

(Tradução: Helena Romão)

[1] Botín é o dono do Santander.

Compilação das Propostas Aprovadas na Assembleia Geral da Acampada do Sol (Traduzida)

Uma das características do movimento 15-M, em Espanha, é a realização de Assembleias Gerais em todas as acampadas. O site tomaplaza.net compilou-as:

1. Alteração da Lei Eleitoral [1] para que as listas passem a ser abertas e haja um único círculo eleitoral. O número de mandatos deve ser proporcional ao número de votos.

2. Atenção aos direitos básicos e fundamentais reconhecidos na Constituição, tais como:

- Direito a uma habitação digna, articulado com uma reforma da Lei Hipotecária, de forma a que a entrega do imóvel em caso de falta de pagamento cancele a dívida.

- Saúde pública, gratuita e universal.

- Livre circulação de pessoas e reforço de uma educação pública e laica.

3. Abolição das leis e medidas discriminatórias como a Ley del Plan Bolonia Y el Espacio Europeo de Educación Superior [2], a Ley de Extranjería [3] e lei conhecida por Ley Sinde [4].

4. Reforma fiscal favorável aos rendimentos mais baixos; reforma dos impostos sobre o património e sucessório. Implementação da Taxa Tobin, que taxa as transacções financeiras internacionais, e fim dos paraísos fiscais.

5. Reforma das condições laborais da classe política, para que se ponha fim aos salários vitalícios. Que os programas e as propostas políticas tenham caracter vinculativo.

6. Rejeição e condenação da corrupção. Que a Lei Eleitoral torne obrigatório que sejam excluídos das listas candidatos culpados ou condenados por corrupção.

7. Várias medidas no que diz respeito à banca e aos mercados financeiros, em cumprimento do artigo 128.º da Constituição, que estipula que «toda a riqueza do país, nas suas diferentes formas, sejam quem forem os titulares, está subordinada ao interesse geral.» Redução do poder do FMI e do BCE. Nacionalização imediata de todas as entidades bancárias que tiveram de ser resgatadas pelo Estado. Endurecimento do controle sobre entidades e operações financeiras para evitar eventuais abusos, sob as mais variadas formas.

8. Desvinculação de facto entre Igreja e Estado, como estabelece o artigo 16.º da Constituição.

9. Democracia participativa e directa, em que a cidadania desempenhe um papel activo. Acesso popular aos meios de comunicação, que deverão ser éticos e verídicos.

10. Verdadeira regularização das condições laborais, e vigilância do seu cumprimento por parte das autoridades estatais.

11. Encerramento de todas as centrais nucleares e promoção das energias renováveis e gratuitas.

12. Recuperação das empresas públicas privatizadas.

13. Separação efectiva dos poderes executivo, legislativo e judicial.

14. Redução das despesas militares, encerramento imediato das fábricas de armamento e maior controlo das forças de segurança do Estado. Como movimento pacifista, acreditamos no «Não à Guerra.»

15. Recuperação da Memória Histórica e dos princípios fundadores da luta pela Democracia no nosso Estado.

16. Total transparência nas contas e financiamento dos partidos políticos, como medida de contenção da corrupção política.


(tradução de Mariana Avelãs)

[1] Para saber mais sobre a Lei Eleitoral espanhola:

[2] Para saber mais sobre a Ley del Plan Bolonia Y el Espacio Europeo de Educación Superior :

[3] Para saber mais sobre a Ley de Estrangeria:

[4] Para saber mais sobre a Ley Sinde :

domingo, 22 de maio de 2011

1º Manifesto do Rossio

Os manifestantes, reunidos na Praça do Rossio, conscientes de que esta é uma acção em marcha e de resistência, acordaram declarar o seguinte:

Nós, cidadãos e cidadãs, mulheres e homens, trabalhadores, trabalhadoras, migrantes, estudantes, pessoas desempregadas, reformadas, unidas pela indignação perante a situação política e social sufocante que nos recusamos a aceitar como inevitável, ocupámos as nossas ruas. Juntamo-nos assim àqueles que pelo mundo fora lutam hoje pelos seus direitos frente à opressão constante do sistema económico-financeiro vigente.

De Reiquiavique ao Cairo, de Wisconsin a Madrid, uma onda popular varre o mundo. Sobre ela, o silêncio e a desinformação da comunicação social, que não questiona as injustiças permanentes em todos os países, mas apenas proclama serem inevitáveis a austeridade, o fim dos direitos, o funeral da democracia.

A democracia real não existirá enquanto o mundo for gerido por uma ditadura financeira. O resgate assinado nas nossas costas com o FMI e UE sequestrou a democracia e as nossas vidas. Nos países em que intervém por todo o mundo, o FMI leva a quedas brutais da esperança média de vida. O FMI mata! Só podemos rejeitá-lo. Rejeitamos que nos cortem salários, pensões e apoios, enquanto os culpados desta crise são poupados e recapitalizados. Porque é que temos de escolher viver entre desemprego e precariedade? Porque é que nos querem tirar os serviços públicos, roubando-nos, através de privatizações, aquilo que pagámos a vida toda? Respondemos que não. Defendemos a retirada do plano da troika. A exemplo de outros países pelo mundo fora, como a Islândia, não aceitaremos hipotecar o presente e o futuro por uma dívida que não é nossa.

Recusamos aceitar o roubo de horizontes para o nosso futuro. Pretendemos assumir o controlo das nossas vidas e intervir efectivamente em todos os processos da vida política, social e económica. Estamos a fazê-lo, hoje, nas assembleias populares reunidas. Apelamos a todas as pessoas que se juntem, nas ruas, nas praças, em cada esquina, sob a sombra de cada estátua, para que, unidas e unidos, possamos mudar de vez as regras viciadas deste jogo.

Isto é só o início. As ruas são nossas.

Diz-me como avalias, dir-te-ei quem serves


Agências de rating: Pare um minuto para pensar

Por M12M

As agências de rating, também conhecidas como agências de notação financeira, foram criadas há mais de um século, nos Estados Unidos da América, com o objectivo de avaliar a capacidade das empresas e dos Estados em pagar as suas dívidas, num prazo acordado. As avaliações determinam o valor dos juros cobrados por quem empresta dinheiro.

Quanto mais elevado for o rating menor é o juro,... e vice-versa. A classificação é feita por letras, sendo AAA a melhor avaliação possível. A partir de BB considera-se que há muitas incertezas sobre a capacidade dos avaliados em pagar o que devem e os juros pedidos são considerados especulativos.

As notações são realizadas por técnicos das agências, baseadas em diversos indicadores de desempenho económico, segundo critérios pouco claros. Por todo o mundo, as agências de rating são pagas pelos Estados - como Portugal - e por empresas privadas - como bancos e grandes companhias portuguesas - para que avaliem a sua capacidade de endividamento.

As três principais agências de rating do mundo, todas americanas, – Moodys, Fitch e Standards & Poor’s - dominam 95% do mercado das avaliações, criando assim um monopólio de opinião. Estas agências são, juntamente com o sector bancário e segurador, responsáveis por diversas crises e falências, devido às avaliações incorrectas que fizeram.

Os erros de avaliação destas instituições provocaram a queda de grandes corporações que se tornaram grandes demais para falir. Mas faliram.

Em 2001 aconteceu com a americana Enron Corporation – uma das maiores companhias energéticas do mundo – que tinha sido avaliada com ratings elevado por parte de todas as agências quase até ao dia da sua bancarrota.

Em 2008, o quarto maior banco de investimento do mundo, Lehman Brothers, ruiu dando origem à crise do subprime, quase até ao dia da sua falência esteve avaliado acima de BB, que significa “boa qualidade”. As hipotecas das casas de milhares de americanos foram transformadas em produtos financeiros complexos, hoje chamados activos tóxicos, vendidos e revendidos em mercados secundários sem regulação. Estes produtos financeiros foram sempre avaliados pelas agências de rating com a nota máxima - AAA.

Poucas semanas antes, e por causa dos mesmos activos tóxicos, os três principais bancos privados islandeses faliram. Tinham avaliações de A até poucos dias antes do colapso. O sistema financeiro da Islândia valia dez vezes mais que o PIB do país. O Estado teve que nacionalizar os prejuízos dessa bolha especulativa e a economia afundou.

A responsabilidade das agências de rating, no entanto, não foi punida, apesar de já vários países terem iniciado queixas-crime contra elas, inclusive em Portugal.

Vivemos numa era em que as decisões económicas são feitas à escala global e estas agências passaram a desempenhar um papel fundamental no funcionamento da economia, do sector financeiro e bancário. Conquistaram a capacidade de influenciar a estabilidade de Estados e empresas, que têm necessidade de crédito.

Em teoria, o seu propósito de garantir um saudável funcionamento dos mercados é negado pelas suas práticas. Há um conflito de interesses quando os detentores das agências de rating são pagos por bancos de investimento para avaliar produtos que esses mesmos bancos de investimento vendem – como os activos tóxicos. Isso significa que manipulam quem deveriam proteger – os clientes de produtos bancários.

Não assistimos apenas à crise do sistema, mas sim ao natural desenrolar do sistema da crise. A ganância de quem detém o poder na economia faz com que a factura seja apresentada aos que menos culpa e voz têm – as pessoas comuns. São elas as vítimas das políticas de austeridade ditas inevitáveis, que servem para pagar os juros cada vez mais altos exigidos por quem empresta dinheiro aos países e para salvar as irresponsabilidades cometidas pela banca.

As agências de rating deixaram de estar ao serviço da economia passando a economia a estar ao serviço das agências. É fundamental questionar a legitimidade e imparcialidade das suas avaliações, a legitimidade do seu monopólio, a legitimidade democrática que não têm quando influenciam a economia e consequentemente todos os planos políticos e sociais.

As agências de rating classificaram-nos 'abaixo de lixo'. Sem nada que o justificasse, 'lixaram-nos', obrigando Portugal a seguir um caminho que ninguém escolheu como única solução para a saída da crise. No entanto, não nos dizem porque chegámos a este estado, não nos dizem qual é o real estado a que chegámos, não nos ouvem nem aceitam quando apresentamos alternativas.

Num momento em que o país vê a sua economia e políticas definidas por entidades estrangeiras, não podemos esquecer os responsáveis por esta crise. Não podemos esquecer que foi a especulação causada pelas agências de rating que nos trouxe até aqui. E não podemos deixar de exigir que sejam punidas. Mas também não devemos esquecer como chegámos a esta situação de endividamento, de que as agências se aproveitaram.

Agora que o país se encontra sem rumo é tempo de arrumar a casa. É tempo de saber como se chegou até aqui. É tempo de saber o que devemos, a quem, porquê e como chegámos a este ponto. É por isso que exigimos uma auditoria externa às contas públicas já!

Exigimos transparência, porque em Democracia temos o direito de saber como são usados os impostos que pagamos. É porque ninguém nos explica de onde vem esta dívida e como foi contraída que exigimos uma auditoria às contas públicas.

Em Democracia governa-se para o Povo, com um mandato dado pelo Povo, para a gestão da dos interesses públicos que o Povo paga com os seus impostos. Chegou a altura de o Povo saber o que andaram a fazer com o seu dinheiro ao longo de todos estes anos. Chegou a altura de perceber o que tem de pagar e até quando.

Porque a transparência na gestão dos dinheiros públicos é a base de uma sociedade justa, exigimos uma auditoria independente à nossa dívida já.

ISTO É DEMOCRACIA, QUEREMOS UMA AUDITORIA!