segunda-feira, 23 de maio de 2011

15-M: Não Há Democracia Verdadeira sem Democracia Económica

Por Juan Torres López – Conselho Científico da ATTAC Espanha.

“Toda a riqueza do país nas suas formas distintas e seja qual for a sua titularidade está subordinada ao interesse comum.”
(Artigo 128.º da Constituição Espanhola)

O movimento 15M pôs sobre a mesa um debate que se tem furtado à cidadania espanhola durante os últimos trinta anos: o da democracia imperfeita existente no nosso país.

Milhares de pessoas gritam nas nossas ruas para exigir democracia verdadeira, porque entendem, com razão, que não se sentem representadas pelo regime bipartidário instituído de facto pela lei eleitoral vigente, com o objectivo principal de excluir a esquerda menos colaboracionista do cenário político. Porque entendem que a democracia é incompatível com a apresentação de dezenas de arguidos nas listas eleitorais, com a opacidade do financiamento dos partidos, com a falta de controlo do património de quem diz servir os interesses públicos, começando pelo Chefe de Estado, ou com as vergonhosas imagens de deputados ausentes dos seus lugares enquanto outros falam fastidiosamente para o ar. E ainda, porque acreditam, porque acreditamos, que também não se pode falar de democracia quando a propriedade dos meios de comunicação se concentra cada vez mais nas mãos de grandes grupos financeiros ou até de fundos especulativos, para evitar que se convertam em espaços de debate público e informação objectiva.

Milhares de pessoas reclamam, reclamamos, Democracia Verdadeira Já, porque cada vez sentimos mais indignação quando vemos que quem o presidente (primeiro-ministro) chama para tratar de fazer frente à crise, não são os cidadãos e cidadãs que perderam as suas casas, os desempregados, os pequenos e médios empresários que criam 90% do emprego existente, mas sim os banqueiros especuladores e os administradores que mais natureza e emprego destroem e que utilizam os paraísos fiscais para escapar às suas responsabilidades para com o Estado — e portanto para com todos nós que pagamos impostos. E saímos às ruas, porque estamos fartos de ser chamados a votar de tanto em tanto tempo, sem que os nossos votos sirvam para decidir as questões mais importantes que, no entanto, são resolvidas a seu bel-prazer pelos poderes de facto, que não se apresentam a eleições: os banqueiros, a hierarquia da Igreja Católica, os dirigentes patronais e os grandes proprietários ou os donos dos meios de comunicação mais influentes.

Exigimos democracia, porque acreditamos que não podemos dizer que esta exista em Espanha quando também não existe numa Europa que apenas dá preferência aos mercados, que renuncia a ser algo mais que um grande espaço de liberdade financeira ao serviço do capital e cujos dirigentes se deixam dominar pelos grupos de pressão e poder dedicados a impor aos povos as receitas neo-liberais.

Exigimos com razão Democracia Verdadeira Já, para conseguir que os direitos políticos e a capacidade de decisão de todos os cidadãos e cidadãs sejam exactamente os mesmos, sem distinção. Mas, precisamente por isso, não devemos esquecer-nos que será impossível que exista democracia verdadeira se não houver democracia económica, ou seja, se não se garantir a todos os indivíduos, também sem distinção, o rendimento, os meios e as oportunidades suficientes para viver e satisfazer com dignidade as suas necessidades.

As políticas económicas neo-liberais que se têm aplicado nos últimos trinta anos constituem de facto uma negação da democracia, porque geram condições de emprego e salários tão baixos, que condenam milhões de trabalhadores e trabalhadoras à precariedade constante, impedindo-os de viver dignamente. Porque permitem que os bancos multipliquem sem limite a criação de dívida que escraviza as famílias e as pequenas e médias empresas. Porque criaram instituições, como os bancos centrais independentes, que podem modificar ferramentas fundamentais da vida económica, de que dependem a distribuição da riqueza e o bem-estar das pessoas, sem qualquer controlo dos poderes representativos. Porque privatizaram capital e empresas públicas a preços de saldo e sem qualquer debate social sobre a sua conveniência ou vantagens; porque restringiram a despesa pública, privando milhões de pessoas de bens colectivos de qualidade para pôr cada vez mais serviços públicos nas mãos do negócio privado, contra o desejo da maioria da população, e porque cada vez mais as instituições públicas representativas estão desarmadas, cedendo poder aos mercados e a grupos de pressão para que os grandes empresários, os banqueiros, os oligarcas do século XXI imponham livremente a sua vontade ao resto da sociedade. E porque aumentaram escandalosamente a desigualdade, fortalecendo o poder das minorias mais ricas e condenando ao ostracismo cada vez mais milhões de pessoas.

E é fundamental ter em conta que, se esta falta de democracia económica impede que se possa falar também de democracia política, a ausência de ambas é a verdadeira causa que deu lugar à crise que vivemos, porque deixou as finanças especulativas e os banqueiros que cometeram todo o tipo de fraudes e enganos sem controlo. Como, noutra escala, também é a causa dos grandes problemas económicos no mundo actual, dos quais se destacam a destruição do nosso meio ambiente, a fome e a discriminação que as mulheres e outros grupos populacionais, como os imigrantes, continuam a sofrer.

É completamente impensável, no entanto, que possamos resolvê-los sem avançarmos decisiva e realmente para uma democracia económica. E é uma mentira gigantesca que se possa sair da crise, como dizem os nossos governantes, com reformas laborais e das pensões, com políticas de austeridade e com mais privatizações, que apenas agudizam os problemas que provocaram a crise e limitam ainda mais a capacidade de decisão da cidadania, ou seja, a democracia.

Em Espanha falta-nos democracia económica e, para a ter, é imprescindível um firme compromisso de Estado que garanta o alcance efectivo dos direitos constitucionais com um emprego decente, um salário de suficiência, saúde, educação, uma pensão digna e habitação. Se a democracia começa pelo cumprimento das leis, exijamos que se cumpra a primeira delas, a Constituição.

Não poderemos falar de verdadeira democracia em Espanha enquanto houver uma única pessoa sem salário ou com rendimentos miseráveis, ou sem poder habitar uma casa digna. Se queremos falar de democracia há que garantir os direitos económicos e sociais básicos de toda a população e sabemos que, se hoje em dia não estão garantidos no nosso país, isso deve-se às políticas económicas que se têm aplicado e que têm que mudar.

A história e a experiência dos países que lograram mais avanços nestes campos mostra-nos, sem margem para dúvidas, que o usufruto destes direitos não é garantido pelo mercado (restringindo a despesa pública e cedendo as escolas a fundos especulativos, como em Madrid), mas que é imprescindível uma forte intervenção pública.

E para poder levá-la a cabo é necessário, por um lado, uma Reforma Fiscal urgente que dê equidade ao nosso sistema fiscal e um plano de luta contra a economia clandestina e a evasão fiscal. E, por outro lado, uma potente estratégia de recuperação do rendimento e da actividade económica.

Para consegui-lo é preciso, em primeiro lugar, dispor de financiamento suficiente e, para isso, devem nacionalizar-se as caixas e os bancos que não ponham imediatamente os seus recursos ao serviço da actividade produtiva. Há que travar quanto antes a espoliação do sistema financeiro espanhol que a banca privada quer fazer. Em segundo lugar, devem ser devolvidas ao estado as empresas de interesse estratégico para a economia nacional, que foram privatizadas sem consultar a cidadania e sem debate sobre as vantagens ou inconvenientes. E em terceiro lugar, dever-se-á subscrever um amplo Pacto de rendimentos que garanta, por um lado, o incremento da participação dos salários no rendimento nacional, que é um objectivo imprescindível para garantir a saída da crise, através da recuperação da procura e da actividade; e, por outro lado, aumentos da produtividade e reformas substanciais no modelo produtivo, que permitam que a nossa economia não tenha que limitar-se à inserção passiva nos mercados globais, como até agora, para benefício exclusivo das grandes empresas. Para isso há que começar por revogar imediatamente as medidas de cortes nos direitos sociais e laborais adoptadas sob a pressão do terrorismo financeiro desde Maio de 2010 até à data.

Perante o problema da dívida que atinge a nossa economia, deve fazer-se uma auditoria à dívida pública e perguntar à população se deseja encarregar-se da que tenha sido contraída por irresponsabilidade dos bancos e das grandes empresas ou em consequência das suas operações especulativas contra o estado espanhol.

Espanha tem uma escolha: definhar num regime bipartidarista de democracia imperfeita que tira poder à cidadania para o dar aos mercados e que fomenta uma economia dependente, oligárquica e destruidora de emprego, de actividade e de riqueza ambiental e natural, ou, como começa a acontecer nas ruas, dizer não à estratégia económica neo-liberal que os poderes económicos e financeiros impuseram aos políticos que governaram a saída (inacabada) do franquismo.

Mulheres e homens comuns que somos, podemos mudar o rumo da história e podemos evitar que os poderosos imponham sempre os seus interesses aos demais. Agora podemos consegui-lo em Espanha e avançar assim para a Democracia Verdadeira com democracia económica, se forem cumpridas duas condições. Uma, que não se renuncie ao poder que nasce nas ruas face aos impostores que se empenham em que paguemos nós a crise que eles próprios provocaram. E outra, que a rebeldia se estenda, como começou timidamente a acontecer, ao conjunto da União Europeia, porque é aí, sob o domínio do poder neo-liberal mais fundamentalista, que se encontra hoje o elo mais determinante da cadeia que nos escraviza.

Botín [1] não é o dono da Espanha! Democracia Verdadeira JÁ!

(Tradução: Helena Romão)

[1] Botín é o dono do Santander.

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