quarta-feira, 13 de julho de 2011

A retórica dos interesses


Como é maleável a retórica dos interesses dominantes. A tese de que os gastos públicos consomem recursos do sector privado que, se libertados, provocarão uma libertação das forças vivas da produção e crescimento económico era ainda há pouco tempo enunciado como verdade evidente por vastos sectores da direita política, apoiando-se na respeitável retórica da direita académica. Setenta anos depois da Grande Depressão, a generalidade da macroeconomia neoclássica tem mantido a lei de Say ligada ao ventilador, desencantando formas rebuscadas de continuar a alegar que toda a oferta gera a sua própria procura, que não há desemprego involuntário, que o conceito de procura agregada não tem fundamento e que a intervenção expansionista do estado é sempre contra-producente e iníqua. Do monetarismo dos anos 70 para a teoria dos ciclos económicos reais dos anos 80 em diante, houve até um retrocesso em termos de realismo, passando a rejeitar-se a mera possibilidade da política monetária (a orçamental fora já discartada) influir no nível de actividade económica e a alegar-se que todas as expansões e contracções são causadas por factores reais (novas tecnologias, chuvas intensas e outras coisas caídas do céu). Toda esta retórica dá imenso jeito em fases de relativa expansão de modo a defender a redução do papel expansivo e estabilizador do estado, não vá a proximidade do pleno emprego ter como consequência que os trabalhadores, menos pressionados pela realidade ou iminência do desemprego, comecem a alcançar direitos e aumentos salariais excessivos e a ter outras ideias mais ousadas. Já quando, como no contexto europeu e norte-americano actual, começa a tornar-se evidente que a procura tem de vir de algum lado e que a austeridade pública é mesmo recessiva, mas se pode argumentar que “tem que ser, pois a dívida é insustentável eo problema tem que ser resolvido assim”, a direita (em Portugal como nos EUA e noutros lados) esquece convenientemente a preocupação com a teoria económica e os convictos anúncios da morte de Keynes. Dispõe de uma retórica igualmente fictícia, mas mais eficaz.

(publicado simultaneamente nos Ladrões de Bicicletas)

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