segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Um perfeito desastre

Paul Krugman | New York Times

Publicado a 11 de Setembro de 2011

Quinta-feira, Jean-Claude Trichet, presidente do Banco Central Europeu (BCE) – o equivalente europeu de Ben Bernake – perdeu a pose. Em resposta a uma questão sobre se o BCE se está a tornar num “mau banco”, graças à compra da dívida de nações em risco, o Sr. Trichet, levantando a voz, insistiu que a sua instituição se tinha comportado de forma “impecável, impecável!” como guardiã da estabilidade nos preços.

De facto, assim foi. E é por isso que o euro se encontra em risco de colapso.

A agitação financeira na Europa deixou de ser um problema apenas das economias pequenas e periféricas, como a Grécia. O que está a acontecer agora é uma investida de larga escala sobre as economias espanhola e italiana, muito maiores. Neste momento, os países em crise representam cerca de um terço do PIB da Zona Euro e, como tal, a moeda única encontra-se ameaçada.

Todas as indicações são de que os líderes europeus não estão dispostos sequer a reconhecer a natureza desta ameaça, quanto mais a lidar com ela.

Reclamei bastante sobre a “fiscalização” do discurso económico aqui na América, e sobre a forma como uma atenção prematura dada aos défices orçamentais desviou Washington do desastre das operações em curso. Mas não estamos sozinhos no que a isso diz respeito e, de facto, os europeus foram muito, muito piores.

Escutem os vários líderes europeus – especialmente, mas não apenas, os alemães – e pensarão que os problemas do continente se resumem a uma simples narrativa moralista de dívida e castigo: governos que pediram demasiado dinheiro emprestado que agora estão a pagar o preço, com a austeridade fiscal como a única solução.

Contudo, esta história poderá, eventualmente, aplicar-se à Grécia e a mais ninguém. A Espanha em particular tinha um excedente orçamental e uma dívida pequena antes da crise financeira de 2008; o seu registo fiscal era, poder-se-á dizer, impecável. E, apesar de ter sido fortemente atingida pelo colapso da sua bolha imobiliária, continua a ser um país relativamente pouco endividado e, torna-se difícil demonstrar que a condição fiscal do governo espanhol é pior do que a do governo Britânico, por exemplo.

Portanto, porque é que a Espanha – juntamente com Itália, que tem uma dívida superior mas défices mais pequenos – se encontra em dificuldades? A resposta é que este países estão a enfrentar algo muito parecido com uma corrida aos bancos, excepto que a corrida é aos seus governos em vez de, ou mais especificamente assim como, às suas instituições financeiras.

Eis como tudo funciona: Os investidores, por um qualquer motivo, receiam que um país entre em incumprimento. Isto faz com que deixem de querem comprar títulos desse país ou o façam apenas a taxas de juro muito elevadas. O facto de o país ter de cumprir o serviço da dívida a taxas de juro elevadas piora as suas perspectivas fiscais, tornando o incumprimento mais provável, fazendo com que a crise de confiança se torne uma profecia auto-realizável. E, à medida que isso acontece, torna-se igualmente uma crise do sector bancário, uma vez que os bancos do país normalmente investem fortemente em dívida pública.

Agora, um país com moeda própria, como o Reino Unido, pode curto-circuitar o processo: se necessário, o Banco de Inglaterra pode intervir e comprar a dívida pública com moeda emitida. Isto pode resultar em inflação (embora tal seja pouco provável quando a economia está em recessão), mas a inflação constitui uma ameaça muito inferior para os investidores que um default completo. Espanha e Itália, contudo, adoptaram o euro e já não têm moeda própria. Como tal, a ameaça de uma crise auto-realizável é bastante real – e as taxas de interesse das dívidas espanhola e italiana são mais do dobro dos juros da dívida britânica.

O que nos traz de volta ao impecável BCE.

O que o Sr. Trichet e os seus colegas deveriam estar a fazer neste momento seria comprar as dívidas grega e italiana – isto é, a fazer aquilo que estes países estariam a fazer por eles mesmos caso ainda tivessem moeda própria. De facto, o BCE começou a fazê-lo há apenas algumas semanas, dando temporariamente uma folga a esses países. Mas o BCE encontrou-se imediatamente debaixo de uma pressão imensa dos moralizadores, que detestam a ideia de aliviar os países, devido aos seus alegados pecados fiscais. A percepção de que os moralizadores irão bloquear quaisquer acções futuras de resgate gerou um renovado pânico dos mercados.

Para além deste problema, há ainda a obsessão do BCE em manter o seu registo “impecável” de estabilização dos preços: num período em que Europa necessita desesperadamente de uma forte recuperação, e uma inflação modesta iria ser uma benesse, o banco tem, em vez disso, vindo a promover um aperto monetário, tentando reduzir riscos de inflação que apenas existem na sua imaginação.

E agora está tudo a precipitar-se. Não estamos a falar de uma crise que se irá prolongar durante um ano ou dois; isto poderá desmoronar-se em matéria de dias. E, caso isso aconteça, o mundo inteiro irá sofrer.

Será que o BCE fará o que precisa de ser feito – emprestar livremente e baixar as taxas de juro? Ou continuarão os líderes europeus demasiado focados em punir os devedores para se salvarem a si próprios? O mundo inteiro está a observar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário