sábado, 5 de novembro de 2011

Das alimárias e dos tabus

Torna-se difícil ouvi-los. É uma geração de líderes que ficará nos anais da história europeia, caso reste algum e a história não seja descartada por não ter valor de mercado, pela estupidez definitiva com que geriu a trapalhada na qual o continente foi enfiado. Utilizo, para os devidos efeitos, a noção de estupidez oferecida por Carlo Cipolla:
Uma pessoa é estúpida se causar prejuízo a alguém ou a um grupo de pessoas sem derivar benefício pessoal ou, ainda pior, causando prejuízo a si mesma.
O teatro moral desta semana revelou, qual tragédia de fraca qualidade, o alcance da estupidez, assim definida, de Merkel e Sarkozy. A manobra de Papandreou acicatou as suas reacções ferozes. Temem, obviamente, a voz dos seres humanos que compõem essa Europa; a eurocracia recorda, com mau gosto na boca, os referendos ao Tratado de Lisboa. Nada disto foi surpreendente: a esquerda europeia (que exclui o PS, entenda-se) também não mostrou um consenso em torno da proposta do PM grego. Nem poderia mostrar. Tratou-se de uma manobra acrobática que resultou mal e o povo grego continua sem ser tido nem achado.

Não. O que me surpreendeu - e estou a tentar compreender a realidade do ponto de vista austeritário - foi a quebra de um tabu que também revela a iliteracia política destas elites anafadas. Merkel e Sarkozy abordaram o tema da permanência na UEM. O seu apoio deixou de ser incondicional e ficou implícito que, nos departamentos de análise política e económica de Paris e Berlim, já foram construídos modelos e propostos cenários em que a zona euro pode ter o seu número de membros reduzido. Ou seja, uma zona euro onde a língua franca é o alemão.

A Comissão Europeia, pelo que percebi, tentou arrefecer os ânimos, afirmando que não existem provisões, no acquis comunitário, para a saída voluntária ou expulsão da UEM sem movimento análogo relativo à UE. Um problema: não existem provisões para saídas voluntárias ou expulsões. Se quiserem dar um chuto no rabo grego, as chancelarias de Paris, Berlim, Amesterdão e Viena precisarão de reescrever o Tratado a grande velocidade.

A pergunta: por que razão quebraram o tabu? A economia moral da dívida e o velho espírito do capitalismo presidiram à decisão de fazer declarações que terão consequências terríveis?

Talvez não. Talvez sejam apenas alimárias iletradas e cipollicamente estúpidas, traços em que não diferem das musas Barroso, Juncker, van Rompuy e Trichet. Não percebem o que é uma união monetária e não entendem que o euro é uma construção política defeituosa. Na verdade, nem me admiraria se reescrevessem o tratado sem mexer na no-bailout clause e se deixassem os estatutos do BCE como estão.

As consequências é que não esperarão muito tempo. Quebrado o tabu, é uma questão de tempo até alguém, algures em Wall Street, começar a testar as águas. Liquidez excessiva? Venham até nós, swaps; é agora que o Mediterrâneo vai ao fundo.

Alguém tem um colete salva-vidas?

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